sábado, 1 de janeiro de 2011

A História do Cine São José

Texto publicado originalmente na Revista Claquete #1


Cine São José, no seu auge: Cinema de bairro que marcou época na cidade
A Família Wanderley tinha grande tradição no ramo de salas cinematográficas. Desde o início do século XX vinha arredando terrenos e construindo um império de cinemas na Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. Seu ponto de largada se deu com Olavo Wanderley, que chegou em João Pessoa em 1932 e junto com seu sogro montam o Theatro Santa Roza, o primeiro cinema falado do Estado. Pouco tempo depois, com o lucro conquistado pelo teatro, fundam a Cia. Exibidora de Filmes e entram de vez no mercado de salas cinematográficas.

Em 1934 inauguram em Campina Grande o Cine Capitólio, no centro da cidade. O novo cinema era considerado o melhor do estado e com capacidade de atender quase mil espectadores. No dia 20 de novembro dá inicio as atividades com o filmes Cavadores de Ouro, de Marvey LeRoy.


Com o sucesso da empreitada não só em Campina, mas em cidades e estados vizinhos, a empresa decide apostar em outro cinema. Dessa vez voltado para um público mais pobre. E no dia 10 de novembro de 1945, a Cia. Exibidora de Filmes inaugura no bairro do São José seu mais famoso cinema, o Cine São José, com o filme Sempre no Meu Coração, de Jo Graham.

E com sua inauguração dar-se início aos famosos cinemas de bairro que tomou conta da cidade nos anos 50. Assim surge na Liberdade, o “Cine Liberdade” e o “Brasil”; no Monte Castelo, o “Cine Monte Castelo”; e no Bela Vista, o “Rio Branco”. Foi um período frutífero de cinemas na cidade, mas que infelizmente durou pouco tempo. O suficiente para deixar saudades nos saudosistas e curiosidade nos historiadores.

Porém, apesar de toda a concorrência, o Cine São José se sobressaiu à muitos deles por um bom tempo e marcou história em Campina Grande. Por dois motivos: a)  Ser estrategicamente bem posicionado de muitos bairros (Liberdade, Cruzeiro, Prata e Centro); e b) pelo seu ingresso mais barato. “Era um cinema de público classe B”, explica Rômulo Azevedo, jornalista e cineasta. “O Filme que passava no Capitólio era exibido quase que simultaneamente no São José com ingresso mais barato, projeção tecnicamente sofrível e condições de conforto bastante precárias”, conclui o jornalista.

As sessões eram sempre a noite, por volta das 19 horas e exibiam além de filmes, seriados americanos (os famosos enlatados) e noticiários, já que a televisão nos anos 50 e 60 era privilegio de poucos. E talvez tenha sido por isso que nos anos 70 o Cine São José tenha vivido seu período de decadência. Com a popularização da Tv na década de 70 “o jeito tradicional de assistir cinema deixa de existir”, diz Azevedo. E conseqüentemente com a exibição gratuita de filmes, seriados e noticiários faz com que o público a quem era voltado o cinema deixe de freqüentar o lugar. Com o passar do tempo, os filmes sérios foram trocados por produções pornográficas. “E logo depois passou a freqüentar as páginas policiais, como local de venda de drogas. Um fim realmente melancólico” finaliza Rômulo Azevedo.

Duas curiosidades sobre o Cine São José: As sessões no São José começavam a noite porque no Capitólio eram exibidos um pouco mais cedo. Como o que passava em um, passava no outro, esperava-se terminar o primeiro rolo do filme no Capitólio para ser entregue no Cine São José. “Vinha um rapaz correndo com um rolo na mão para entregar no São José”, detalha o Dr. Ademir Wanderley, sobrinho de Luciano Wanderley, o famoso Dom Luck, último dono do Capitólio e São José, falecido em 2003 aos 74 anos. E antes que o Teatro Municipal Severino Cabral fosse inaugurado em 1963, tanto o Babilônia, como o Capitólio e o São José serviam de palco para apresentações de dança, teatro e música. Ficaram famosas as passagens de Luiz Gonzaga e do ator Rodolfo Mayer (apresentando seu monólogo “As Mãos de Eurídice”) pelo palco do Cine-teatro.
Cine São José atualmente.
Quando é final dos anos 70, o cinema já não tinha mais fôlego e pela última vez iria abrir a bilheteria. O público foi como previsto. Pequeno. O filme, obviamente era pornô. E a saudade que deixaria seria grande. Mesmo após o fechamento, o cinema continuou vivo nas lembranças como nenhum outro conseguiu ficar. E por décadas os que tiveram oportunidades de assistir algum filme lá sentiam-se privilegiados. E até os que nunca entraram lá e sequer estavam vivos para saber como era tinham “saudades de um tempo que não viveu”. Este um pensamento recorrente ainda.

O porquê de ter conseguido esse status de culto na cidade ainda é um mistério. “Talvez por ser o único prédio ainda em pé. O Babilônio virou shooping, o Capitólio está totalmente desfigurado. E o São José por ainda apresentar sua estrutura original com resquícios do Art Decó, desperta nas pessoas certa nostalgia”, afirma Azevedo.

Porém o Cine São José não foi o primeiro e muito menos o último a sucumbir perante as facilidades tecnológicas e a concorrência mais bem equipada. Antes dele houve a queda dos também memoráveis Cine Fox, Cine Avenida e o Cine Liberdade. E anos mais tarde foi a vez do Capitólio e do Babilônia.

Curiosamente todas as salas de cinema da Cia. Exibidora de Filmes tiveram a mesma trajetória. Com início deslumbrante, tiverem que exibir tempos depois filmes pornográficos e logo depois declarar falência. “Foi o preâmbulo do fim. E a partir daí o público que gostava de cinema já não freqüentava mais”, explica Dr. Wanderley.

A cidade ficou um tempo sem cinemas. Em 2001 foi inaugurado no Shopping Iguatemi (hoje Boulevard) uma rede Multiplex com cinco salas de cinema.
Grafiteiro na marquise: Ocupação contou com apoio dos artitas locais
No dia 11 de maio de 2010, as 9 da manhã, mais de uma centena de estudantes saem do campus do curso de Comunicação Social, fechando a rua Dom Pedro I em direção à rua Lino Gomes. Brandindo cartazes de protestos, com rostos pintados, indumentárias circenses, apitando no meio da rua, fechando o trânsito marchando reto em direção ao Cine São José. Muita gente ficou sem entender o que estava acontecendo. Nenhum escândalo político recente tinha sido deflagrado. Então para quem era aquela manifestação?

A caminhada não foi longa. A turba logo chega ao cine-teatro. A imprensa já havia sido convocada e lá estava dando mais visibilidade ao protesto. Um grupo de maracatu ajudava a compor a trilha sonora durante o caminho. Todos já de frente ao Cine esperam pelo clímax, a abertura dos portões do já decrépito prédio. Um jovem pega um alicate e com ajuda de outros é erguido para quebrar os cadeados das portas. Feito o trabalho, a multidão adentra no local.

Logo de cara, sujeira, muita sujeira acumulada. Afinal são mais de 30 anos servindo de abrigo para mendigos, viciados, ladrões e animais pestilentos. O olhar de surpresa e melancolia é coletivo. Mas a partir daí surge uma nova esperança para o Cine São José.
Exibição de curtas no cinema: Além de filmes, música e teatro no local
Um dos motivos que culminou na ocupação do Cine São José foi a decisão do governo em transferir o prédio do Cine-Teatro para a administração municipal. Observando o descaso que aconteceu com o Capitólio, um grupo de estudantes decidiu agir e mobilizar a sociedade campinense. “A prefeitura não pretendia transformar esse espaço num local de cultural, e sim num camelodromo”, afirma Clóvis Brasileiro, um dos lideres do movimento e estudante de jornalismo. Ele que, junto com um grupo de estudantes tomaram a decisão de convocar para os protestos os movimentos sociais, estudantis, de classe e indivíduos independentes para uma retomada do antigo prédio. A invasão tinha por propósito forçar a administração estadual a doar o prédio a UEPB, órgão este que tem autonomia gerencial, e servir de local para formação cultural. Apesar da reitora da UEPB Marlene Alves ter-se manifestado a favor da ideia, nada de concreto foi feito pelos órgãos do estado.

Durante a primeira semana, a agitação foi grande na ocupação. Muita correria e muita coisa para organizar. Ir atrás de um carro pipa para limpar o local; conversar com o Secretário de Cultura do Estado sobre a proposta (que até hoje não aconteceu); organizar eventos culturais no espaço e etc.

O núcleo da ocupação do Cine São José é formado por estudantes de comunicação social e artistas locais que se reúnem periodicamente no próprio cine para discutir pautas sobre a ocupação e manter ativo eventos culturais no cine-teatro. Desde que irrompeu o movimento, shows e filmes são exibidos e apresentados gratuitamente no local, como forma de resistência. Quando perguntado se não temia que o governo vencesse pelo cansaço, Clóvis foi categórico ao afirmar “os governos como um todo tem um posicionamento de aviltamento aos movimentos sociais, querendo isolar e enfraquecer. Mas não acreditamos nisso e vamos continuar com a ocupação”,

Apesar das negativas do governo, o mesmo não se corresponde aos moradores do bairro. Que tem grande admiração e é muito bem visto pelos populares. Não só por tentar reerguer um símbolo da cidade, mas também por afastar do espaço os viciados e ladrões que utilizavam o espaço do prédio para planejar roubos e assaltos às casas circunvizinhas. Além do apoio estrutural que deram no início do movimento. Cedendo cadeiras para o público sentar – como aconteceu na primeira semana, quando o espaço interior ainda não estava pronto – e servindo até comida para o pessoal responsável pela ocupação. “Eles chegam a todo momento dizendo que é uma esperança que eles tem, que continuemos nessa resistência e até carinhosamente comprando pães e refrigerantes”, conclui Clóvis.

O clima é de otimismo em geral. Todos acreditam que o governo cedera o prédio a UEPB, sem ressalvas. “A reitora essa semana já estará entrando numa solicitação formal de transmissão de posse do Cine São José”, diz Clóvis. A importância histórica é incomensurável para a cidade, sendo considerada pelo IPHAN Patrimônio Histórico e sua reativação só faria um bem ao já convalescido cenário cultural da cidade.

2 comentários:

Agamenon P. disse...

Matéria muito boa, tive oportunidade de ler na revista Claquete #1.
Parabéns pelo blog meu velho.

Pedro Nepomuceno disse...

O Cine São José foi palco de minha infância. Sob a administração do Sr. Assis, esposo da famosa cronista Graziela, ofereceu divertimento para várias gerações. Lembro ainda do Canal 100 e das inúmeras séries apesntadas naquela casa de espetáculo. Concordo que devemos presrvar a memória do espaço que é um patrimônio da comunidade campinense.